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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

458 aniversários

Se São Paulo fosse assoprar 458 velinhas de seu bolo, não teria fôlego. O pulmão destruído pela fumaça proveniente da imensa frota de automóveis prejudicaria seu desempenho.

E há motivos para comemorar? Em uma cidade chorona, copiosamente como a água de tempestades desta época do ano, por tantas mazelas que ferem sua população sofrida? Em uma metrópole espalhada em quatro zonas, norte, sul, leste e oeste, mas concentrada em duas, oeste e sul? Que agride sua diversidade, ora conhecida como a mais peculiar e democrática do Brasil? Acumulando barracos e trapos nas fendas de concreto dentre as avenidas menos e mais movimentadas da cidade?

Sim, há motivos para celebrar.

A cidade ainda explode de alegria, com fogos estourando no céu, quando é gol do Corinthians.
Os amantes ainda passeiam de mãos dadas no parque do Ibirapuera.
As amigas ainda conseguem contar todas as fofocas do final de semana no longo trajeto de trem.
A senhora ainda consegue andar de graça no precário transporte urbano com sua carteira do idoso.
O metroviário ainda tem orgulho de trabalhar no meio de transporte insuficiente, mas o mais invejado do país.
Os amigos ainda se aglomeram nas portas de inferninhos na rua augusta.
Os trabalhadores ainda agradecem pela jornada de trabalho garantir o sustento diário.
A menina ainda canta alto ao volante, presa no congestionamento.

A cidade ainda é palco de muita vida.

Parabéns, São Paulo. Desejo-lhe muito amor neste ano por vir.


Esta foto diz muito daqui para mim. Eu, nascida no interior, crescida aqui. Lydia, vinda de Rio Branco, no Acre, trabalha e estuda aqui. Laura, também do Acre, de passagem. E Maju, paulistana.
No asfalto, na avenida símbolo do caos empresarial. De madrugada, pois a cidade nunca dorme.

São Paulo é feita, em grande parte, pelos que vem de fora, 24 horas, todo santo dia. E, mesmo com tantos problemas, todos encontram maneiras de sorrir.






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Mas bem que podia haver mais ação e solução
por parte dos governantes e cidadãos daqui

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Vida de zumbis

A desocupação da Cracolândia, como é conhecida a região central de São Paulo conhecida por abrigar centenas de usuários de crack, é uma ação conjunta do governo do Estado e da Polícia Militar. Ontem, a Rota, grupo tático especial do órgão policial, entrou na ação.

A ação é parte do projeto Nova Luz, que revitaliza uma importante área cultural paulistana tomada pela marginalidade, dependência química e crime organizado. Nela, encontram-se pontos turísticos como a Estação da Luz, a Estação Júlio Prestes e a Sala São Paulo – principal palco de concertos, óperas e apresentações de música erudita da cidade. Tudo que não combina com marginalidade, dependência química e crime organizado.

As imagens do lugar, para quem não conhece, são chocantes. Caminhar por ali é semelhante ao cenário de seriados da moda, como The Walking Dead. Dependentes químicos da droga vagam a esmo vestindo trapos, com olhar vidrado. Muitos deles lavam vidros de carros no farol como maneira de abocanhar alguma grana para comprar pedras.


Imagem 1, da Folha de São Paulo, retrata uma ação policial na segunda-feira (9), na rua Aurora x rua Guaianases. Imagem 2, do Estadão, retrata o local em um dia qualquer (2011)

A ação, dividida em três fases, promete o policiamento, assistência social e manutenção da área. Tem sido, entretanto, frustrada. Não é possível simplificar algo tão complexo e profundo na nossa sociedade – o vício – em três passos, como um manual para o sucesso. Um, dois, três e pronto, o problema está resolvido.

Não há estrutura para assistência social suficiente para atender a tanta gente envolvida com o vício do crack. O que muitas pessoas não entendem, especialmente aquelas que expressam opiniões inflamadas [tem que descer o cacete todos estes vagabundos mesmo!], é a complexidade química que o vício desta droga causa no sistema nervoso do indivíduo ao ponto de ele largar tudo para viver uma vida de zumbi. Vagando nas esquinas, a condições precárias, tudo para ter o prazer momentâneo que o crack proporciona. Se a pessoa se submete a estas condições, não vai sair disso de maneira tão simples, em três passos, como propõe a ação da Cracolândia.

Cracolândia, em letras maiúsculas, porque ela expressa o problema da sociedade e é um retrato da disparidade de São Paulo. O espaço convive com o problema social ao lado da “alta sociedade” que frequenta os pontos da região. O real problema é que o problema social é de saúde, e é tão grande que tomou o espaço. Não deveria ser este o sinal de alerta que prova que São Paulo está com um caso tão grave, que não será eliminado de uma hora para outra? Esta alta sociedade que também sofre de outra coisa grave – a cegueira social para a disparidade que está a sua frente, ali, escancarada.

Moradores de Higienópolis, bairro vizinho à Cracolândia, se queixaram de viciados que “subiram” e tomaram as ruas nobres e arborizadas, expulsos de seu habitat natural. Temem a violência. Estavam acostumados com a cegueira social da vizinhança perfeita, uma ilha de riqueza no centro da cidade.

É hora de abrir os olhos.

Mais assustador que a vida de zumbi é ler os comentários de "pessoas comuns" que pregam a eliminação total dos crackeiros.

Para ler mais:
Reportagens da Folha de São Paulo aqui.
E do Estadão aqui, aqui, aqui.

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E vamos combinar - droga não é problema de pobre.
Classe alta usa cocaína, mais refinada e de "mais qualidade", se é que podemos assim dizer,
que o crack - pedras de resíduos provenientes do refino da cocaína.
Mais barato  e, claro, para os pobres a pior "qualidade" das drogas

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Flor

Cinco pétalas repetidas destruídas pela água e esmagadas pelos pés ali na esquina. Desta vez, não apressados, mas preguiçosos após uma comemoração que merecia ao menos um dia a mais. Procurei as mais intactas, as mais aveludadas. Encontrei. Quase intacta. Cheirosa.

- Olha só... não sou só eu que gosto desta flor... – uma voz interrompeu o seguir do meu caminhar, quase na faixa de pedestres.        
- Como?
- Meu filho adorava estas florzinhas. – ela disse, com sua boca ligeiramente torta por uma paralisia sutil no canto esquerdo – A gente morava perto de Moema e ele parava na rua para pegar uma destas florzinhas para me dar. Ensinei a ele sempre escolher as do chão, nunca as da planta. Para não tirar a vida da pobre plantinha.

Mas aí veio o acidente e arrancou a vida dos braços da mãe.

- Hoje, ele teria 22 anos...

A conversa toda feita com minha coluna torcida para trás. Ela ganhou minha flor e foi embora. Eu levei outra para casa... Machucada, nem tão cheirosa, imperfeita. Porém, mais bonita. Esta aqui:


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Meu primeiro dia útil de 2012 me encheu de reflexões.
Feliz Ano Novo!