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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Não existe amor em São Paulo?

Parafraseando o Criolo (sem méritos musicais aqui), refleti mais um pouco sobre o furto que me ocorreu esta semana, desta vez conversando com minha amiga Carol. Embora Criolo diga que as almas são vazias, preenchidas apenas de ganância e vaidade, eu ainda prefiro acreditar que os bons são maioria - como aquela propaganda da Coca-Cola.

Tá, eu sei que se vem do marketing da Coca-Cola já pode ser duvidável, e eu nem bebo Coca, não gosto do gosto. Não vamos entrar nesse mérito.

Usando o exemplo do celular, na hipótese de perda e não furto. A Carol argumentou que com certeza a maioria das pessoas não devolveria seu celular se o achasse na rua. Menos ainda se fosse um iPhone, um BlackBerry, qualquer coisa cara com infinitos ou nenhum botão (legal pensar no valor pelos botões, smartphones levam-os aos dois extremos). Ela já teve mais de um celular furtado/perdido aqui em Sampa e diz que as histórias negativas são bem mais frequentes que aquelas nas quais o cara devolve o aparelho. E tudo que ela já passou a faz ter mais vontade de não devolver também se acontecer com ela o contrário.

Para mim faz todo o sentido esse raciocínio, talvez realmente as que ficariam com um aparelho encontrado sejam maioria. Depois do que aconteceu comigo, entretanto, acho que tenho mais um motivo pra continuar escolhendo a honestidade, o contrário, e condenando qualquer tipo de malandrismo por aí. O mal-estar quando uma coisa ruim dessas acontece é tão grande e o conformismo de "já era" é tão latente quando alguém se dá conta que perdeu um celular, que um bem inesperado pode realmente ser capaz - por que não? - de motivar o atingido a fazer o mesmo quando acontecer com ele. Quem sabe até refletir sobre isso entre a pausa de uma música e outra no mp3 do celular no ônibus apertado.

Conheço duas histórias. Uma com meu irmão, que perdeu o celular dele numa micareta (sem comentários) e ligaram para devolver o aparelho. Minha mãe, na paranoia, achou que o cara podia estar planejando um sequestro e foi junto pra garantir o grito caso ele fosse raptado. Mas foi na boa. O cara simplesmente devolveu o aparelho, e pronto. !!!!

Eu esqueci meu celular (esse mesmo que eu tive furtado, um Nokia E5) uma vez num bar da Paulista num domingo à tarde, aquele do lado do Trianon que sempre lota na calçada. Voltei 30 minutos depois e o casal que sentou em meu lugar tinha entregado o aparelho ao garçom, que tinha levado-o ao gerente, que no momento em que eu o abordei, estava discando o número marcado como "Irmão". Agradeci e ele, vendo meu nervosismo, me deu um Alpino e uma bronca pra eu ficar mais esperta.

Sorte? Talvez. Mas, comparando o alívio ao mal-estar, prefiro causar nas pessoas o primeiro. E sei que tem gente aqui que pensa o mesmo, e continua infectando as outras com o melhor que se tem.

Soa um pouco inocente, ingênuo, poliana, otimista demais? Pode ser também. Mas se eu não acreditar que os bons são realmente a maior parte das pessoas ao meu redor, como continuar vivendo? Se eu acreditar que as pessoas são individualistas e maldosas, não faz mais sentido estar aqui, tchau, adeus, credo... Pra que viver num mundo podre? Se ele é podre? Então vou me mudar pro Alasca e viver sozinha num iglu. Vai me fazer melhor do que dividir um espaço no vagão com um coletivo que olha pra mim e só pensa "quero ferrar com essa aí".

Pensar em vingança pra quê, se em um pensamento igualmente egoísta à revanche, o que vai me fazer melhor é apagar de vez pessoas ruins que cruzam o meu caminho? A vida trata de encomendá-los.

São Paulo é uma cidade opressora. Dura e concreta, como disse Caetano, mas que ainda guarda uma poesia, acredito, ainda igual a Caetano. Não apenas nos bares que lotam de almas vazias, voltando ao Criolo, mas também nas conversas com a velhinha que senta ao seu lado e puxa um papo. Com o cobrador entediado que xaveca uma mocinha bonitinha que para na catraca sem conseguir passar.

Ou com os taxistas que vão dirigindo ao mesmo tempo em que ensinam uma saída pros caminhos equivocados do motorista perdido ("de fora", nem sempre) que passa do lado.

A música do Criolo é essa, pra quem não conhece.




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O blog agora tem regras pra comentários. Aqui do lado direito.
Haters gonna hate, os trolls estão aqui há mais de anos, cansei desse povinho.
Essas reflexões também me lembram a Vanessa, que me ensinou
a odiar meu ódio e espalhar o amor, por favor.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Reflexões sobre um furto

Eu, que sempre me orgulhava em dizer que nunca havia sofrido tentativa alguma de violência urbana, sucumbi ao centro de São Paulo. Fui furtada.

Naqueles dias em que você já está de mau humor, naqueles dias que você só quer chegar em casa, deitar num quarto escuro, ficar sozinha, talvez ler um livro. Naquele dia em que a dor de cabeça parece ricochetear na parte interna de seu crânio, prestes a encontrar uma rachadura para explodi-lo por inteiro.

No empurra-empurra e espreme-espreme capaz de desafiar o físico que afirmou que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Antes ou depois da catraca que conta sistematicamente cada pessoa que pega o transporte público da cidade. Uma a uma, até chegar aos milhões.

Número de celular recuperado. Número dos contatos montados novamente aos poucos. Antes apenas número daqueles que se equilibram no ônibus lotado, carregando bolsa, lendo livro e se segurando, tudo ao mesmo tempo... Agora sou apenas número daqueles que tiveram o celular furtado.

Como aquele que me emprestou seu aparelho para constatar que realmente já estava feito, e depois consolou-me com um olhar cansado e piedoso vindo de seus cansados olhos azuis. Quase opacos de tanta poeira e poluição. Puxou uma conversa que contaminou os outros viajantes. Todos tinham uma história "até pior" nas ruas de São Paulo. "Menina, fica tranquila. Você é jovem, linda, tem que ficar feliz porque não aconteceu nada pior"*.

Ironicamente, eu que estudo comunicação digital, começo a refletir todo o pedaço de vida que eu carregava num aparelho. Pra um filho da puta abrir meu bolso e arrancá-lo como se amputasse uma parte de meu registro de memórias.


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*É terrível pensar que "pelo menos estou bem",
pois estamos realmente tão "acostumados" com a realidade urbana desumana
que uma ameaça de uma violência física não concretizada é aliviante.
A única vez que havia acontecido alguma coisa parecida comigo,
havia sido no metrô de Barcelona. Rasgaram minha bolsa em
uma tentativa de furto. Mas não conseguiram levar nada.
(mereço ir ao classe média sofre, eu sei)

Foi no 178L, Lauzane Paulista, talvez na altura do Cemitério da Consolação