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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Reflexões sobre um furto

Eu, que sempre me orgulhava em dizer que nunca havia sofrido tentativa alguma de violência urbana, sucumbi ao centro de São Paulo. Fui furtada.

Naqueles dias em que você já está de mau humor, naqueles dias que você só quer chegar em casa, deitar num quarto escuro, ficar sozinha, talvez ler um livro. Naquele dia em que a dor de cabeça parece ricochetear na parte interna de seu crânio, prestes a encontrar uma rachadura para explodi-lo por inteiro.

No empurra-empurra e espreme-espreme capaz de desafiar o físico que afirmou que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Antes ou depois da catraca que conta sistematicamente cada pessoa que pega o transporte público da cidade. Uma a uma, até chegar aos milhões.

Número de celular recuperado. Número dos contatos montados novamente aos poucos. Antes apenas número daqueles que se equilibram no ônibus lotado, carregando bolsa, lendo livro e se segurando, tudo ao mesmo tempo... Agora sou apenas número daqueles que tiveram o celular furtado.

Como aquele que me emprestou seu aparelho para constatar que realmente já estava feito, e depois consolou-me com um olhar cansado e piedoso vindo de seus cansados olhos azuis. Quase opacos de tanta poeira e poluição. Puxou uma conversa que contaminou os outros viajantes. Todos tinham uma história "até pior" nas ruas de São Paulo. "Menina, fica tranquila. Você é jovem, linda, tem que ficar feliz porque não aconteceu nada pior"*.

Ironicamente, eu que estudo comunicação digital, começo a refletir todo o pedaço de vida que eu carregava num aparelho. Pra um filho da puta abrir meu bolso e arrancá-lo como se amputasse uma parte de meu registro de memórias.


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*É terrível pensar que "pelo menos estou bem",
pois estamos realmente tão "acostumados" com a realidade urbana desumana
que uma ameaça de uma violência física não concretizada é aliviante.
A única vez que havia acontecido alguma coisa parecida comigo,
havia sido no metrô de Barcelona. Rasgaram minha bolsa em
uma tentativa de furto. Mas não conseguiram levar nada.
(mereço ir ao classe média sofre, eu sei)

Foi no 178L, Lauzane Paulista, talvez na altura do Cemitério da Consolação 

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