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quarta-feira, 27 de maio de 2009

A encantadora leitora dos papéis em branco

Ela tinha a habilidade de guiar-se entre as palavras invisíveis daquela folha de papel em branco. Apertada na poltrona desconfortável do ônibus lotado, acompanhava cada linha com os dedos e, a cada surpresa, sorria.

Ao apagar a luz, o motorista nem percebeu a leitura daquela moça. "É que atrapalha, assim de noite, uma luz aqui dentro com as luzes lá de fora". Não é que as luzes lá de fora não iluminavam os parágrafos misteriosos que ela desvendava a cada sacolejo?

Não dava para ver a atenção de seus olhos. Enquanto todos reparavam no seu estranho hábito de usar óculos escuros quando já era noite, eu não desgrudava do mistério que aquelas folhas em branco traziam, impregnado na sua trama.

Observei muito a encantadora leitora dos papéis em branco, que sequer notou minha presença. Para ela, não havia mais ninguém - só o desenrolar da história envolvente que ela lia.

Quando deu sinal para descer, esperou sentada a chegada no ponto. Desembarcou pela porta da frente. Ela não podia ver os degraus, mas enxergava perfeitamente todo o enredo que os furinhos em braile lhe revelavam na ponta dos dedos.

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